08/07/2019

COMO CORTES ESPECIAIS ESTÃO MUDANDO O MERCADO DA CARNE

A expectativa é que a demanda pelo produto continue em crescimento. Mas, antes de investir, é preciso tomar alguns cuidados.

Alguns sonham com um carro. Outros, com uma casa própria. Já o santista Domingos Neto, também conhecido como “Netão”, sempre quis um açougue.

Mas não era qualquer açougue – era o açougue do seu tio.

Existe um bom motivo para esse desejo pouco convencional: aquele negócio, assim como todas as nuances que envolvem a carne, sempre esteve presente em sua vida. “Eu gostei do lifestyle”, diz.

Mas para realizar esse objetivo, o jovem participou de uma verdadeira odisseia. Para juntar dinheiro e comprar o negócio, ele viajou por 18 países enquanto trabalhava no bar de um navio. O esforço valeu a pena: ele conseguiu o que queria.

Em 2014, Netão abriu o açougue Bom Beef.

Já o empreendedor paulistano Luiz Marsioli começou sua trajetória empreendedora comandando um centro de distribuição de bebidas. Mas seu destino ainda iria sofrer uma reviravolta – e que aconteceu quase por acaso.

Certo dia, enquanto andava em um bairro nobre de São Paulo, ele se deparou com um anúncio de “aluga-se” em um edifício comercial. A ideia veio quase que instantaneamente: por que não abrir um restaurante?

Dito e feito. Ele começou com um estabelecimento especializado em comida japonesa. Mas o grande negócio de sua vida ainda estaria por vir. “Certo dia, pensei: ‘e se a gente abrisse um restaurante de carne, só que com um estilo descolado e legal?”.

Era o início da rede Pobre Juan, em 2004.

Essas duas histórias de empreendedorismo são unidas por um fator em comum: a carne. Mas não é qualquer tipo de carne, mas um alimento de qualidade superior.

Conhecidas como “carnes premium”, esses produtos vão além da gastronomia mais simples e tentam proporcionar uma experiência diferente para o consumidor. E se tem uma coisa que a história desses dois empreendedores mostra é que, para alcançar esse resultado, a ânsia por qualidade precisa beirar a paranoia.

Perfeccionismo
Com o açougue com as portas abertas, Netão resolveu colocar seu plano em prática: ele não queria vender qualquer carne, mas os cortes especiais que tinha provado enquanto peregrinava pelo mundo.

Era meados de 2014 e, segundo o empreendedor, tal tipo de alimento ainda não era muito popular no Brasil. Por conta disso, o primeiro passo seria procurar um pecuarista de confiança para criar o gado com os parâmetros de qualidade que ele precisava.

A busca foi difícil, mas não pelos motivos comuns. “Achar alguém que eu confiasse e que tivesse a capacidade de criar esse gado foi fácil. Difícil foi convencer essa pessoa a embarcar na minha ideia”. 

De acordo com Netão, o motivo de tanta resistência seria a dificuldade que uma produção desse tipo impõe. Tudo precisa ser perfeito, desde o manejo e abate do animal – que precisa ser realizado da forma mais humana possível – até o transporte e, por fim, o corte.

Foi necessário insistir muito – e adiantar R$ 50 mil – para convencer o produtor a realizar o serviço.

No caso de Marsioli, a tática de criação do negócio foi diferente. Quando pensava em carne, sua memória afetiva o remetia diretamente à Argentina. Rapidamente, ele chegou à conclusão que, para chegar a um nível de excelência, seria necessário viajar até o país vizinho para entender este mercado.

E não foi só isso que ele fez. Com todos os custos pagos do próprio bolso, o empreendedor trouxe um churrasqueiro argentino para o Brasil para ajudar a formular o cardápio do Pobre Juan.

O resultado é um processo rigoroso. De acordo com Marsioli, tudo é pensado, desde o tamanho ideal de cada corte até o período certo para se consumir o alimento. “Se uma carne ficar muito tempo parada, ela fica com um ‘gosto de fígado’. Agora, se for comida muito cedo, não adquire a maciez ideal”.

Qual é o segredo?
Mais do que o corte, produzir esse alimento requer uma cadeia produtiva organizada.

Segundo o analista de mercado Felippe Reis, da consultoria de agronegócio Scot Consultoria, o segredo da produção deste tipo de carne está na padronização. Todos os animais precisam ter um determinado nível de pureza da raça, idade e peso no momento do abate.

Fora a qualidade, outro benefício deste método é o fato de que o produto final possui sempre o mesmo sabor. Logo, o empreendedor que comprar este alimento não terá problemas do tipo “aquela carne está mais gostosa que essa”, afirma o analista.

Mas é preciso ter alguns cuidados. Segundo Marsioli, se um animal não possuir determinado nível de pureza de uma raça específica, a qualidade final será afetada. É aí que se esconde uma armadilha: como garantir que o produto é realmente aquilo que você está pagando? Afinal, o empreendedor não conseguiria checar individualmente cada animal que compra.

O dono do Pobre Juan cita a confiança no fornecedor como um fator crucial para realizar esses negócios. Mas existem outras maneiras de garantir que o alimento é realmente de qualidade. Uma delas é a certificação, atribuída para determinados frigoríficos por órgãos licenciados – como a Associação Brasileira de Angus.

Tal chancela atesta que o produto é realmente genuíno e que passou por todos os controles de qualidade necessários para ser comercializado como uma carne premium.

Como comprar?
A associação é formada por produtores e especialistas do setor. Dentre suas funções está o auxílio a pecuaristas e o fomento da raça angus no país. Segundo o presidente da entidade, Nivaldo Dzyeknanski, um dos principais trabalhos realizados é justamente a certificação.

Para um frigorífico ganhar o selo de qualidade, é necessário estar de acordo com diversas normas, todas chanceladas pelo Ministério da Agricultura, conta Dzyeknanski. Dentre elas, está a necessidade de seguir a legislação ambiental vigente, ter uma infraestrutura adequada e cuidado com o bem-estar dos animais.

A questão do bem-estar animal vai além da necessidade de tratar o gado sem crueldade. Ela afeta também no sabor do produto. É isso que afirma Vitoriano Dornas Neto, diretor de Agronegócio da Fazenda Santa Mônica. “Se o animal for submetido a um estresse muito grande, ele vai liberar uma substância chamada cortisol, que vai afeta desde o pH da carne até a formação dos músculos”.

O resultado é um alimento com coloração diferente e menos maciez.

Mercado em ascensão?
Com todos os cuidados e planejamento realizado corretamente, esse pode ser um bom mercado para se investir.

Segundo Felippe Reis, a demanda por esse produto vem crescendo nos últimos cinco anos. Um dos principais motivos para isso seria a mudança do padrão de consumo do brasileiro. O analista conta que a tendência por alimentos artesanais, que começou com as cervejas, agora está se espalhando para diferentes mercados.

O brasileiro também está comendo mais carne em geral. De acordo com um levantamento realizado pelo IBGE, em 2018, o consumo doméstico do alimento está crescendo 2% ao ano. Esse aumento em demanda torna esse mercado mais rentável. “E quanto mais rentabilidade, maior o poder de escolha do consumidor”, diz Reis.

Netão também notou esse crescente interesse pelas carnes – e ele pode, inclusive, estar influenciando esse hábito. Com o intuito de chamar a atenção para seu negócio, ele investiu nas redes sociais. No Instagram, por exemplo, dá dicas e curiosidades sobre o alimento para seus mais de 230 mil seguidores. 

Netão também possui um canal no YouTube, onde posta tutoriais sobre cortes especiais. “Com isso, as pessoas foram conhecendo e se interessando. Eu acabei criando a minha própria demanda”.

Isso reflete no faturamento. Em 2018, o Bom Beef faturou R$ 4 milhões. A expectativa é que esse valor chegue a R$ 10 milhões em 2019.

Luiz Marsioli também compartilha desse otimismo. A rede Pobre Juan já conta com 9 unidades próprias e 2 franquias inauguradas. Em 2018, eles faturaram R$ 72 milhões. A expectativa é que esse valor cresça em 8% até o final deste ano.

E na produção?
Para suprir a demanda, a oferta também deve aumentar. Nivaldo Dzyeknanski acentua que, apesar do Brasil ser autossuficiente na produção de carnes, ainda existem períodos do ano em que os alimentos premium ficam em falta. “Portanto, o mercado necessita de mais produtores”.

O empreendedor que desejar apostar nessa cadeia produtiva deve esperar custos de produção maiores. Mas a remuneração deve crescer proporcionalmente.

Netão conta que paga de 10% a 20% a mais na arroba (unidade usada para medir o peso do gado) em animais capazes de produzir qualidade premium em comparação com o preço padrão. Já segundo Nivaldo Dzyeknanski, a diferença é de 10%.

Fonte:https://revistapegn.globo.com/Banco-de-ideias/Agronegocios/noticia/2019/07/como-cortes-especiais-estao-mudando-o-mercado-da-carne.html