Millhões de mulheres brasileiras têm encontrado no empreendedorismo a melhor alternativa para se realizar na carreira e cuidar das crianças.
Construir uma empresa é, de certo modo, conceber um filho. Da geração da ideia até os primeiros anos de crescimento, um negócio nascente exige cuidados, dedicação e investimento para ficar em pé. Tempo e dinheiro são essenciais nos primeiros anos.
Empreender ao mesmo tempo em que se opta pela maternidade, portanto, pode parecer um contrassenso. Mas não tem sido para 74% das empreendedoras brasileiras. Todas elas mães, em um universo de 8 milhões de mulheres, segundo o Sebrae. Para essas brasileiras, empreender vem sendo um meio de vencer desafios de ordem familiar e econômica.
A promessa de horários flexíveis e de autonomia calam fundo na hora de trocar a carteira assinada pelo CNPJ. A motivação de ficar perto dos filhos, contudo, costuma vir antes da ambição de faturar. Por isso, elas costumam abrir negócios de menor porte, em setores nem sempre rentáveis ou modelos nem sempre escaláveis.
O pensamento mágico é “quero fazer alguma coisa que me deixe com tempo para as crianças”. Mas, assim como acontece com os filhos, boas empresas nascem para crescer e prosperar, e não para ficar pequenas uma vida inteira.
Líder dos programas de liderança feminina da Ernst & Young (EY), Andrea Weichert alerta que um erro comum é trocar uma boa posição por um negócio criado apenas por necessidade, sem planejamento: “Essa pode ser uma decisão perigosa e sem volta”, diz. Uma outra ilusão das empreendedoras de primeira viagem é pensar que terão mais tempo. “O mais provável é trabalhar mais horas, e não menos”, diz Andrea.
A chance de buscar um filho na escola, sentir um abraço e ver seu sorriso, ou estar em casa antes do jantar, para contar uma história e vê-lo dormir, no entanto, pode parecer missão quase impossível para quem trabalha numa empresa convencional.
Ascender na carreira corporativa também é mais difícil para elas. Dados da consultoria McKinsey mostram que o funil se estreita no nível gerencial. As diferenças de oportunidades entre os sexos se aprofundam na liderança sênior, nos cargos de diretoria e também no chamado C-Level, onde estão os melhores cargos e salários.
No Brasil, apenas 8% das cadeiras de CEO são ocupadas por profissionais do sexo feminino. Empurrado por esse e outros fatores, o número de empreendedoras no país cresceu 16% em pouco mais de uma década, obedecendo a uma tendência já observada nos Estados Unidos. O número de empresas fundadas por elas nos EUA aumentou 45% — um crescimento cinco vezes maior em relação à criação de negócios como um todo. Recém-publicado, o estudo Labor after Labor, conduzido pela Fundação Kaufmann, mostra que 75% das mulheres decidem empreender e ser mães entre 20 e 35 anos de idade.
Para Irene Natividad, CEO do Global Summit of Women, fórum que tem colocado em pauta o papel da mulher no mundo dos negócios, ser mãe pode ser, sim, uma vantagem para as empreendedoras: “Ao lidar com os filhos, elas treinam sua capacidade de negociar”, diz. Estudo da Endeavor indica que as empreendedoras tendem a ser mais habilidosas no trato com os funcionários. “O estilo feminino de liderar dá consistência ao negócio”, diz Camilla Junqueira, diretora de cultura empreendedora da Endeavor.
Nesta reportagem, mostramos seis empreendedoras de diferentes regiões do Brasil que foram capazes de superar todos os obstáculos e criaram negócios prósperos e saudáveis — e filhos também —, como bem ilustram suas fotos e depoimentos inspiradores para quem deseja criar a sua empresa.
Isabela Pascoal, 43 anos, mãe de João, 6 anos
Desde 2007, estou à frente de dois braços do grupo DPaschoal: a Fundação Educar, em Campinas, e a Fazenda Daterra, em Patrocínio, Minas Gerais. Como a fundação e a área comercial da Daterra ficam em Campinas, vou para lá duas vezes por semana. Nos outros dias, fico em São Paulo, onde moro, e resolvo questões relacionadas ao negócio. A cada 40 dias, visito os cafezais em Patrocínio.
Fiquei grávida do João em 2010. Com três meses de gestação, tive deslocamento de placenta e precisei parar tudo. Não podia levantar do sofá. Isso me mostrou que, quando é preciso parar, você se organiza. Depois que ele nasceu, trabalhei em casa por cinco meses. Vinha gente fazer reunião aqui, e também usei muito Skype. O João tinha 9 meses quando passei uma semana em Nova York para participar de um evento. Eu lá, e ele pegou uma baita virose. Foi difícil, mas a babá e meu marido, superparceiro, estavam aqui para cuidar dele.
Agora em fevereiro, ele ficou doente de novo; desta vez, fiquei em casa cuidando dele e trabalhando. Para conciliar maternidade e negócio, é importante ter um propósito forte no trabalho, seja financeiro, seja social ¬— porque, com o filho, você passa a ter um propósito muito forte em casa. Acho bom que a criança não seja criada em um mundo ideal. É importante sentir saudade, saber que a mãe vai e volta.
A única culpa que sinto é quando estou com meu filho e ao celular ao mesmo tempo. Gosto muito de trabalhar, me satisfaz tanto quanto ser mãe. Adoro pegar na escola, dar comida, mas também sou muito feliz no trabalho. Tento passar isso para o João.
Fonte: http://revistapegn.globo.com/Mulheres-empreendedoras/noticia/2017/05/ser-mae-e-empreende.html