06/11/2019

"No empreendedorismo, você falha muito mais vezes do que acerta"

Esta frase é de Gary Vee, empreendedor, influenciador, escritor e investidor — tendo aportado em startups como Facebook, Uber e Twitter.

Gary Vee lembra com clareza do momento no qual percebeu que poderia ser um empreendedor. Ele tinha apenas 13 anos quando organizou uma feira de negociação de cartões de baseball, um hobby que movimenta milhões entre norte-americanos. Dali para a frente, colecionou casos de sucesso.

Nascido na Bielorrússia, Gary Vaynerchuk, hoje com 43 anos, transformou o negócio local de vinhos de sua família, que assumiu em 1998, em uma força digital de vendas online de US$ 60 milhões — o americano está entre os pioneiros a explorar o poder do e-commerce. Nos anos seguintes, explodiu em redes sociais mostrando a sua vida de empreendedor, o que culminou na criação da VaynerMedia. 

Ele também é dono da agência esportiva VaynerSports — apaixonado por futebol americano, afirma que pretende comprar o Jets, time de seu coração, assim que tiver dinheiro suficiente para isso. O sucesso ainda permitiu que Gary começasse uma carreira como investidor. Aportou US$ 200 mil no Facebook — e teve retorno de cerca de US$ 12 milhões. Investiu ainda em startups como Twitter e Uber.

Os negócios certeiros de Gary passam a impressão de que ele não erra — ou erra pouco. Falso, de acordo com ele. “Eu falho todos os dias. Lido melhor com o fracasso do que com o sucesso. Sou um empreendedor!”, afirma a PEGN, em passagem pelo Brasil para participar do evento de marketing digital GMX 2019.

Quando você percebeu que poderia ser um empreendedor?

Isso aconteceu quando eu tinha 13 anos. Organizei um ‘baseball card show’ [evento de exposição de cartões colecionáveis de jogadores, um hobby bastante popular nos Estados Unidos]. Comprei uma mesa por US$ 300 para a exposição — um valor que, na época, era muito dinheiro para mim. Eu lembro que tive medo de fracassar naquele dia: pensei que não iria conseguir recuperar o dinheiro durante os três dias de negociação. Chegou o primeiro dia e eu fiz US$ 500 com meus cartões. Aquele foi um dos grandes momentos da minha vida e trouxe essa percepção sobre a minha capacidade de empreender. Eu percebi que era bom naquilo. Fiz bons negócios com os meus cartões, e já tinha tido sucesso produzindo e vendendo limonada, entre outras coisas. Eu pensei: ‘Uau, eu sou um homem de negócios! Eu vou ser muito bom nisso!’.

Você transformou a loja de vinhos de sua família em um negócio multimilionário. Esse trabalho foi especial por ser algo familiar?

Aquela foi a melhor experiência da minha vida. Tive o privilégio de passar um bom tempo com meu pai. Foi muito desafiador — negócios de família costumam trazer desafios especiais. Mas eu tive muita sorte. Meu pai viu algum tipo de talento dentro de mim e então me deu aquela oportunidade. Tive muita sorte por ser um negócio de varejo, um setor em que se pode aprender muito. Sou grato por ter trabalhado na empresa de minha família e de ter feito bem a ela. Aprendi muito naqueles dias, tive meus primeiros contatos com ferramentas como e-mail, Google AdWords, YouTube. Foi uma experiência incrível.

Você esteve entre os pioneiros a explorar o potencial do comércio eletrônico. Se começasse sua carreira de empreendedor hoje, investiria em quê?

Se eu precisasse de resultados financeiros rápidos, dentro de um ano, eu ainda focaria no varejo. Eu venderia qualquer coisa na internet e usaria as mídias digitais para impulsionar esse negócio, como Instagram, Facebook ou YouTube. Eu também olharia para novas mídias digitais, como TikTok, WhatsApp ou Shopify. Tudo isso vai ajudar um novo negócio a vender mais no mundo online. Eu compraria e venderia. Eu seria um comerciante.

E se você não precisasse de retornos financeiros rápidos?

Se eu estivesse interessado em retornos financeiros dentro de três ou quatro anos, eu investiria meu tempo e dinheiro em tecnologias de voz. Eu buscaria construir aplicações e serviços que funcionassem sobre plataformas de voz, em gadgets como Amazon Alexa, Google Home ou Apple HomePod. Eu vejo que na próxima década há uma grande oportunidade ao redor de tecnologia baseada em voz, seja para comércio, seja para entretenimento. Eu acredito que a voz será a próxima grande plataforma, assim como os dispositivos móveis impactaram o mundo na última década. Isso vai mudar tudo e trazer grandes oportunidades para quem busca novas formas de negócios.

 

Você coleciona casos de sucesso. Já falhou?

Eu falho todos os dias. Eu queria ter construído a maior companhia online de artigos gourmet do mundo. Essa era minha ambição, em 2005, para o negócio da minha família. Mas isso nunca aconteceu. Eu poderia dar outros 5 mil exemplos de momentos nos quais as coisas não deram certo. Lidar com falhas tem de ser fácil. É parte do jogo. Eu convivo com empreendedores em todos os lugares do mundo. Em cada um desses encontros, conversamos sobre histórias de guerra, sobre coisas que não deram certo e geraram dores de cabeça. Lidar com as falhas, para mim, é mais fácil do que lidar com os acertos.

Por que você diz isso?

Porque eu sou um empreendedor! Essa é a minha vocação. Eu acho que isso vem da forma como eu vejo o mundo. No empreendedorismo, você falha muito mais vezes do que acerta.

Você investiu em startups de sucesso como Uber, Twitter e Facebook. Quais são as características de um negócio que mostram que uma ideia tem potencial?

Para meus casos de sucesso ou para meus fracassos, minha análise se limita a dois fatores. Primeiro faço perguntas. Acredito naquele produto? Os consumidores se interessariam? A ideia traz soluções? Depois, foco no fundador. Penso se aquela é a pessoa certa para construir aquele negócio e se ela será capaz de navegar pelas dificuldades. Por algum tempo, usei uma abordagem de investir na ideia. Acreditava que os consumidores eventualmente se interessariam por uma boa ideia. Mas eu não compreendia um ponto essencial: eu não estaria à frente do negócio e pensava com base nas decisões que eu tomaria. Isso, de certa forma, ajudou a fazer evoluir minha carreira de investidor. É como pensar em uma corrida de cavalos. Por mais que eu tenha o máximo de informações sobre o cavalo ou sobre o jóquei, é a união dos dois que traz a vitória, ou não. O mesmo serve para o empreendedorismo: é preciso ter uma grande ideia e um bom executor.

Compreender uma ideia ou aspectos técnicos é a parte mais objetiva. Como enxergar aquele empreendedor para descobrir se ele é a pessoa certa para aquele negócio?

São dois caminhos possíveis. O primeiro é analisar o que o empreendedor fez antes — e neste trabalho você tem dados e informação, o que eu amo. O outro caminho é tomar uma decisão completamente intuitiva, uma decisão subjetiva baseada no comportamento daquele empreendedor até aquele momento. Eu procuro ver se aquela pessoa vendeu coisas, como era como estudante, se lidou com adversidades em sua vida. São muitos os pontos para ficar de olho.

Você diz que empreendedores seguem uma ditadura das métricas em busca de rodadas de investimentos. No que o fundador de um negócio deveria focar, em vez disso?

Se a busca é por construir um negócio que signifique alguma coisa, eu acredito que o foco deveria ser na cultura interna. É preciso pensar em seus colaboradores e na forma como eles olham para os clientes. É isso que faz um negócio dar certo no longo prazo, ou não. É preciso manter os clientes felizes pelo máximo de tempo possível. Quando um fundador se debruçar sobre isso e tiver esse assunto como foco, aí sim haverá o desenvolvimento de uma cultura interna melhor, e aquela empresa poderá se manter de pé por mais tempo.

Você é jurado do reality show Planet of the Apps, da Apple, e no mundo todo há programas sobre como começar um negócio. Vivemos a era de ouro do empreendedorismo?

Acho que vivemos uma bolha — e isso é bem legal. O fato de que jovens brasileiros se inspirem em empreendedores é louco! Esse momento também traz alguns perigos. A verdade é que as pessoas descobrem rápido se alguém é bom o suficiente para ser um jogador de futebol ou um cantor. No empreendedorismo é diferente. Você pode esconder se é bom ou não naquilo. Mas isso traz problemas. A rotina de um empreendedor não é fácil e pode levar a coisas duras, como depressão, ansiedade e solidão. Outra diferença é que alguém que não é um empreendedor de verdade sente medo de perder. E se você sente medo de perder, você não será um empreendedor de sucesso. Acredito que tem muita gente empreendendo sem ser um empreendedor. É por isso que tenho sido agressivo em comunicar essa mensagem, porque teremos menos pessoas passando por esses problemas. Mas, apesar disso, acredito que sim, definitivamente vivemos a era de ouro do empreendedorismo.

Startups brasileiras não costumam escalar globalmente. Por que você acredita que isso aconteça?

 

Imagino que seja um problema na execução. Quando você está no seu ambiente e escala, os méritos são seus. Veja: o Spotify nasceu na Suécia e o Soundcloud, na Alemanha. É óbvio que a China tem mostrado méritos com o aumento de startups nascendo por lá e alcançando sucesso global. Mas, veja, eu ouço a sua pergunta até mesmo dentro dos Estados Unidos. As pessoas me questionam sobre como alcançar sucesso sem estar no Vale do Silício. Eu criei a maior empresa de vinhos do país em Nova Jersey, bem longe de onde as vinícolas e outras companhias do setor estão [a Califórnia, polo produtor, fica do outro lado dos EUA]. Eu imagino que 99% dos brasileiros e de empreendedores de outros países falham em ganhar escala global porque acham que não são capazes de construir um negócio global a partir de onde estão. Assim, o jogo está perdido antes mesmo de começar.

Fonte:https://revistapegn.globo.com/Empreendedorismo/noticia/2019/11/no-empreendedorismo-voce-falha-muito-mais-vezes-do-que-acerta.html