Fundadora do Me Poupe! fala sobre a importância das metas e dá dicas para você achar o equilíbrio entre poupar e aproveitar a vida.
Poupadora compulsiva, Nathalia Arcuri juntou o primeiro milhão de reais aos 32 anos. Largou a carreira de repórter de TV para tentar emplacar um reality show sobre finanças. Com mais de 3 milhões de inscritos no YouTube, o Me Poupe!, autodefinido “o canal mais rico do Brasil”, oferece zilhões de dicas para qualquer pessoa começar a poupar e tirar o pé da dívida.
Divertida e despudorada, Nathalia diz que a sua meta, aos 34, é desfu... o Brasil. Além de vídeos, sua empresa faz programa de rádio, blog, curso online de finanças e um livro, que já vendeu 170 mil cópias. Em 2018, o Me Poupe! faturou R$ 8,7 milhões — valor que deve quase dobrar este ano.
Confira abaixo uma entrevista com Nathalia:
Os números ligados à sua empresa são gigantescos: 1,1 milhão de seguidores no Instagram, 3,1 milhões de inscritos no seu canal no YouTube, 50 mil inscritos no seu curso Jornada da Desfudência, 6 mil aprovados na prova de seleção para participar do curso, 2,5 mil alunos matriculados. Isso é a realização de um sonho? Você esperava por isso?
Quando pedi demissão da TV, em 2015, minha meta era impactar 3% da população brasileira até 2023. Mas atingi essa meta no ano passado, quando o Me Poupe! alcançou 6 milhões de pessoas.
Qual foi o seu investimento inicial no Me Poupe!?
R$ 4,5 mil. Comprei uma câmera de segunda mão na OLX [site de classificados] e um computador nos Estados Unidos.
Você chama o Me Poupe! de “a primeira plataforma de entretenimento financeiro do mundo”. Por quê?
Não somos um canal de educação financeira. O entretenimento é usado a serviço da educação, das finanças pessoais. É diferente do business entertainment [caso do programa de TV Shark Tank]. Fiz curso de roteiro, uso técnicas como a trajetória do herói, usado em filmes da Marvel, e gamificação no curso online Jornada da Desfudência.
Se você quer atrair público, não basta contar uma história. É preciso aproximar, e entretenimento é o ímã. Queria que [as pessoas] gostassem de investir e poupar tanto quanto eu. Para fazer a pessoa se sentir atraída, eu trouxe elementos do entretenimento, de novela, de reality. Eu era noveleira. Esse tema, finanças, normalmente é tratado com uma linguagem complexa. Eu, que sempre fui autodidata, simplifiquei. Porque eu buscava informações e havia um abismo... Só continuei estudando porque queria muito aprender.
Você disse que pararia depois de chegar aos R$ 5 milhões. Chegou ao primeiro milhão aos 32 anos. A sua ideia é a aposentadoria? Quanto tempo falta para isso? Amanhã [8 de fevereiro] você completa 34 anos. É hora de parar?
Eu tinha a meta de ganhar R$ 5 milhões até os 45 anos, para poder parar de trabalhar. Mas essa meta é de quando eu ainda estava na TV. Hoje não tenho meta pessoal, só para o canal.
Criei uma estrutura financeira que me possibilita parar de trabalhar. O canal, os vídeos monetizados, o livro, o reality show [uma série de vídeos com duas temporadas em que um personagem devedor aprende a poupar], a minha equipe. Eu posso parar e eles vão seguir. [Quando o maquiador termina de arrumar sua produção para a sessão de fotos desta reportagem, Nathalia vê seus cabelos no espelho, dá risada e diz: “É bom que já fica arrumado para a festa de amanhã”.]
Além do canal no YouTube, com dois vídeos semanais, sua empresa faz o blog Me Poupe na Web, o curso Jornada da Desfudência [a segunda turma do curso começará em março] e o programa de rádio Me Poupe 89! Quantas horas você trabalha por dia?
De 12 a 13 horas. Mas quando não estou trabalhando, leio sobre gestão, neurociência. Tenho aulas particulares sobre neuroeconomia com a professora Renata Taveiros de Saboia.
É uma área que estuda os impulsos cerebrais no momento da compra. Nós duas estamos fazendo uma pesquisa para medir o impacto do curso Jornada da Desfudência nos 2,5 mil alunos da primeira turma. Usamos outras 2,5 mil pessoas que não fizeram o curso para comparar.
Quantas pessoas integram a sua equipe?
Quinze. Há um ano, éramos cinco.
No primeiro ano, o Me Poupe! faturou R$ 350 mil. No seu livro, você diz que em 2018 deveria faturar R$ 7 milhões. E em 2019, qual é a meta?
Em 2018 faturamos R$ 8,7 milhões. Este ano, devemos faturar R$ 15 milhões.
Quando o canal começou, você dizia que não esperava ganhar dinheiro. Que conselho você daria para quem quer empreender?
Por mais paradoxal e contraditório que possa parecer, não empreenda por dinheiro. Mas por entrega, por solução. Para mudar a vida de alguém. Se não, não vai dar certo. É como o voo da galinha. Não vai ter gás nem tesão para seguir. Problema, nós temos todo dia. Mas só o tesão faz você aprender mais. Foi a vontade de mudar a vida das pessoas que me fez ler, estudar, aprender. É possível acreditar no ser humano.
O empreendedor tem de entender que ele não vende brigadeiro, não vende roupa, não vende um serviço, uma massagem. Isso é apenas a maneira como você transforma aquilo que você quer num serviço ou num produto. Antes de pensar em ‘o que’ você vai fazer, você precisa pensar em ‘por que’ você vai fazer.
No caso do Me Poupe!, o meu ‘por que’ é transformar a vida financeira das pessoas. E o meu ‘o que’ são vídeos, o curso, o livro. Cada um dos meus ‘o ques’, ou seja, o que eu faço para transformar a vida financeira das pessoas, tem um modelo de negócio diferente.
Quais são os modelos de negócio do Me Poupe!?
Nos meus vídeos do YouTube, nos meus programas de rádio, eu trabalho oferecendo conteúdo de graça para as pessoas e monetizo esse conteúdo por meio da venda de espaços publicitários. Esse é um modelo de negócio B2B, business to business.
Outro modelo de negócio é vender cursos diretamente para as pessoas. Cursos e livros. É o modelo B2C, em que eu vou vender diretamente para o consumidor. São negócios distintos, mas ambos se encaixam no propósito da minha empresa.
Como você financia a marca?
Criei o Me Poupe! para ter conteúdo acessível e grátis, e bancado por patrocinadores. O curso online, que é pago, tem um conteúdo mais aprofundado. O reality também tem anunciantes, mas são cotas vendidas à parte. Eu criei um método para selecionar patrocinadores.
Logo no começo foi a [minha] principal dor. Não posso estimular o consumo. Se é marca de produto, tem custo-benefício totalmente diferente? Eu consumo? É bom? Entrega algo de valor? Já falamos muito mais não do que sim para patrocinadores. A minha credibilidade não tem preço.
Você se dizia “uma jornalista lunática que queria ensinar as pessoas a cuidar melhor do dinheiro”. Qual é o seu propósito atual?
Eu sigo com o propósito de transformar a vida financeira das pessoas. E as pessoas têm gratidão. Recebemos por dia cerca de 5 mil mensagens, via Instagram, comentários no blog e e-mails.
É difícil empreender no Brasil?
Não é difícil empreender no Brasil. É difícil empreender como um todo. Fazer sucesso aqui não é diferente de fazer sucesso fora do país. Você só precisa entender quais são as peculiaridades do nosso mercado e entender que vai ser complicado em qualquer canto do mundo. Não só no Brasil.
Para poupar é necessário ter metas, você repete como um mantra. E para empreender?
Eu acredito que sem metas nenhuma empresa vai pra frente. Tenha metas e seja focado nessas metas. As metas não são apenas financeiras. Ah, quero faturar R$ 50 milhões este ano. Não. A gente precisa das metas para avaliar constantemente se a gente está no caminho certo daquilo a que se propôs.
Tenha metas de produtividade, de faturamento, de número de vendas, de alcance de pessoas, tenha metas para todas as áreas da sua empresa. Tenha metas até de satisfação, dos seus clientes, dos seus colaboradores. É só por meio das metas que a gente consegue saber se está no caminho certo.
A meta é como se fosse o mapa para chegarmos até onde a gente quer. Se a gente vai colocando pontinhos no meio do caminho, que são metinhas diárias, ou semanais, você cumpriu aquele pedaço do percurso, você sabe que está no caminho certo. Mas, se em algum momento aquele caminho sofreu um desvio, é sinal de que é preciso readequar a rota. Foi isso que eu aprendi nos últimos quatro anos empreendendo.
Como você lida com críticas? Você dizia ter “muito medo de não me aceitarem, de ser julgada”. Esse medo persiste?
Eu sempre tenho medo. Mas a vontade de ajudar supera o temor da rejeição. 80% das mulheres sofrem da síndrome do impostor [achar que não merece o sucesso e duvidar das próprias capacidades]. Além disso, eu tinha uma visão fechada em relação ao universo digital. Nunca imaginei que o meu negócio era internet, YouTube. Ao contrário: fui para a internet pensando que meus antigos chefes iriam ver e me chamar de volta para a TV.
Você diz que era uma poupadora compulsiva, começou a juntar dinheiro aos 7 anos. Você ainda é compulsiva?
Sim. Demais. Sempre tive hábitos e metas de longo prazo muito claras, e facilidade de enxergar o futuro e ver o que eu preciso fazer para realizar as minhas metas. Meus programas prediletos na TV eram Pequenas Empresas & Grandes Negócios e Shop Tour.
Gosto de poupar. Mas nunca deixei de fazer o que eu quero no presente. Se não, tem o efeito sanfona. Uma vida só de restrição ninguém aguenta. O problema é não saber o que se quer. Quero balada? De quanto? R$ 10, R$ 40, R$ 100 ou R$ 300? Ou quero diversão? É totalmente diferente.
Como achar o equilíbrio entre poupar e aproveitar a vida? Você diz que não devemos economizar em coisas que nos trazem alegria, como um café.
É preciso ter metas. O processo é do fim para o começo. Virar a chavinha na cabeça para poupar com metas, como uma casa, um carro. A maioria das pessoas que estão ferradas nunca pensou no que é importante.
Locomover-se ou ter um carro? Viajar no fim do ano ou postar as fotos da viagem? Poupar, investir e enriquecer é um processo de autoconhecimento. Eu percebi que há pouquíssimos especialistas em comportamento relacionado a finanças. Por isso, fui estudar psicologia econômica, fiz especialização, para entender como nos comportamos ao consumir.
O que você sugere para quem tem a meta e quer começar a guardar dinheiro?
Nunca fiz uma planilha. Eu só deixo na minha conta o que eu posso gastar. O raciocínio não é quanto tem de sobrar, mas sim quanto tem para gastar. Primeiro, invista. O que sobrar é lucro.
É a Lei de Parkinson: sempre usamos os recursos que temos disponíveis. Se você tiver uma hora para fazer esta entrevista, ela será feita em uma hora. Se você tiver três, será feita em três. O mesmo com dinheiro. Se eu ganho R$ 10 mil, eu gasto R$ 10 mil. Se ganho a metade, gastarei a metade.
No vídeo Um Degrau Abaixo, eu explico como e por que não se deve fazer isso, e sim gastar menos do que se ganha, a fim de poupar. A pessoa ganha um salário mínimo e diz “quando eu ganhar R$ 2 mil, vou guardar”.
Quando vai sobrar dinheiro? Nunca. Qual é a forma mais inteligente de comprar? Toda compra deve ser feita à vista? Hoje eu sou mais esperta, só compro quando tenho dinheiro para pagar à vista. Se não consigo desconto, parcelo no maior número de vezes sem juros. Mas eu só parcelo se eu tenho o dinheiro para comprar à vista — aí meu dinheiro fica investido, rendendo, enquanto eu pago as parcelas sem juros.
Só se deve parcelar algo necessário, como uma geladeira, ou que vá trazer retorno, como um curso. Roupas, tênis não entram aqui. Custa R$ 500? Junta e aí compra. Se não tem o dinheiro, não compra. E eu sempre peço desconto. Quando não consigo, fico chateada, mas não deixo de comprar.
Porque quando chego para comprar já tenho dinheiro e já pesquisei o lugar com o melhor custo-benefício. Não é o menor preço, é o melhor pelo menor preço. Na alameda Santos [área nobre em São Paulo], estamos alugando um coworking para a equipe da Jornada da Desfudência. Chorei por desconto, até que o cara me ofereceu uma lousa e um gaveteiro, que eles alugam, sem custo nenhum. Aí fiquei feliz.
Você diz que foi muito emocionante comprar um apartamento após se separar do primeiro marido, e já mencionou uma pesquisa que afirma: 70% das mulheres que se sujeitam a relacionamentos violentos ficam na relação por serem dependentes financeiramente. Você considera o público feminino mais relevante quando o assunto é educação financeira?
Eu não acredito em segmentação. Tudo que é feito só para mulheres não dá resultado e é preconceituoso. Precisamos de foco, mas na igualdade. A cultura machista está impregnada: as mulheres se sabotam para não ganhar [dinheiro].
As duas temporadas do reality Me Poupe! têm como protagonistas mulheres jovens.
São o público mais ativo do canal. Mas este ano teremos pessoas de outras faixas etárias.
No reality show você dá envelopes para as participantes aprenderem a separar o dinheiro para suas metas — como dinheiro para educação —, para emergências, e 10% para “coisas inúteis”.
A ideia dos envelopes pode ser usada por qualquer um, para fazer em casa. É uma forma de economizar para o dinheiro caber no orçamento.
Em um dos episódios do reality, você diz que a sua hora custa R$ 16 mil. É o que você cobra para uma palestra?
Não. Para uma palestra eu cobro R$ 40 mil, porque tem o tempo do deslocamento. Este ano resolvi dar uma palestra por mês. Afinal, eu sou a CEO, a cara, a voz, a estrategista do Me Poupe!. Eu trabalho para deixar a minha empresa mais estruturada para ir mais longe. Eu não parei para aprender a ser gestora, eu fui aprendendo. Eu leio muito. Agora estou lendo Peter Drucker [autor austríaco, teórico da administração de empresas].
Você gasta 10% do orçamento em inutilidades, como recomenda a seu público?
Gasto. Em roupa e em coisas para casa, que são a minha kriptonita financeira. Taças, pratos.
Você diz que queria ganhar dinheiro para ajudar seus pais. Que ficava apavorada com a ideia de vê-los envelhecer sem dinheiro. Você os ajuda?
Meus pais não tinham reserva. E não têm. Mas meu pai ainda trabalha, aos 67 anos, como engenheiro civil. Não preciso ajudá-los, mas hoje tenho condições.
Chute na bunda, segundo você, faz a gente ir em frente. Quais foram os maiores chutes na bunda que você tomou?
Sempre tive muito medo de chute, aí você se previne. Nunca quis ser demitida. E nunca fui. Sempre fazia o melhor e mais do que me pediam. Dou chutes na bunda da equipe, esporros necessários para o crescimento pessoal [risos].
Em um dos seus vídeos você sugere que não usemos frases negativas, como “eu não sei poupar”, e que troquemos para “eu estou aprendendo a poupar”. Por quê?
Isso veio do coaching, da PNL [programação neurolinguística], como você fala consigo mesmo. Fiz três especializações em coaching: básico, para empresários e outra baseada em psicologia positiva. Segundo a neurociência, o jeito de falar e agir muda nossa atitude. A ideia de que não podemos alterar o que acontece...
Na verdade, o mundo muda a partir da sua ação. Se você falar o tempo todo que não sabe lidar com dinheiro, quando vai saber? Insisto com a minha equipe para, em vez de falar “eu sou desorganizado”, dizer “estou trabalhando a minha organização”.
Como se educar para uma mudança de comportamento?
Se você está estressado, não funciona. É preciso dar um pequeno passo, que já dá a sensação de satisfação. Um passo pequeno para começar, e depois o grande. Para quitar as dívidas, sugiro começar pela menor e pela mais fácil. Primeiro você colhe os frutos mais fáceis da árvore, depois você sobe e colhe os mais difíceis.
Você diz que tem plena consciência de que vai conseguir qualquer coisa que quiser. O que você quer?
Desf... a nação.